quinta-feira, 24 de abril de 2008

Reflexão quanto a receptividade do público (abril de 2008)

Alma Suburbana, minha primeira reflexão escrita. Digo escrita porque a todo momento que estudo cinema ou revejo o filme me vem novas idéias e teses sobre ele. Minha motivação foi a exibição do último dia 17 na Lona Cultural de Vista Alegre em que mais de 350 pessoas entre professores, estudantes e moradores suburbanos assistiram ao filme.

É claro que não vou criticar ou explicar, isso não é trabalho meu, um dos principais envolvidos com a práxis da obra. Me detenho a analisá-la, tanto dentro como fora da grande tela, porque uma obra cinematográfica só é realmente uma obra quando provoca reação no espectador, se não, é apenas filme e o espectador sai da sala sem nada acrescentado ou a acrescentar nele, e o filme se perde e é dinheiro gasto à toa, como muitos vistos por aí.

O porquê de eu ter dito que na última exibição “professores, estudantes e moradores suburbanos assistiram ao filme” foi um gancho para lhes expor como uma exibição com 350 espectadores que aplaudiram no início e no final do filme converge com as duas exibições feitas numa Universidade respeitável em que dos 20 espectadores que iniciaram cada exibição apenas 8 à 10 assistiram até o final.

Agora, por que na Lona Cultural, um lugar desconfortável, feito para shows e teatro, numa tela pequena de sala de aula, as pessoas gostaram mais que numa sala de cinema de 170 assentos e refrigerada? Por que na Lona Cultural, subúrbio do Rio, onde as pessoas são aparentemente mais pobres, e que são consideradas pelas elites como “a massa” se divertiram e compreenderam o filme e os tais universitários, o futuro intelectual desse país, não compreenderam, ou não se deram o trabalho de ir assistir e assistí-lo por completo?

Existem vários motivos, culturais, sociais, psicológicas... Mas existem dois que eu considero principais e mais evidentes para essa diferença. A primeira é ideológica, conceitual e temática do filme, é a identificação por parte dos suburbanos com o que é mostrado na tela. Quando um personagem diz o que é ser suburbano, o sorriso rapidamente se segue de uma breve reflexão e uma associação com a sua realidade. O samba, a cadeira na calçada, o churrasco, a pelada de fim de semana, o rock da juventude, tudo isso (e mais um pouco) constitui o subúrbio e os diferentes suburbanos, aqueles que não são massa e sim, indivíduos. Isso não acontece com o outro público que não vive essa realidade, que vê todos como um bando de Nanooks, desprezando a forma e rejeitando o conteúdo.

A segunda da qual tinha dito é de âmbito técnico e estético. Não deveria, mas isso explica o porquê de não ter sido do gosto aparentemente apurado daquele público na universidade. Pode não parecer para eles, mas a equipe teve total consciência (e não controle como gostamos de dizer) sobre o filme. O Alma Suburbana é uma obra aberta, que fala do início ao fim e mesmo depois de desligado o projetor. Uma obra livre do academicismo estético-narrativo. O principal alvo de críticas e do que eu mais gosto é a montagem, quando desprezamos o academicismo nós optamos por uma montagem de fragmentação de discursos aparentemente caótica, com muitos cortes secos, perceptíveis devido a impossibilidade de melhor captação sonora, mas que todos esses fragmentos sequem um fio condutor, que não o clássico: tantos minutos para a apresentação, mais tantos de desenvolvimento e conclusão que é de costume e que aprendemos muito bem no curso de cinema.

Outra de suas críticas são a falta de técnica, que aqui se confunde com tecnologia. A utilização de duas câmeras caseiras (que não tem um anel de diafragma), um microfone de mão (sem espuma para minimizar o efeito do vento), e eventualmente um refletor aberto de 1Kw, foram os principais motivos. E eu como diretor de fotografia em nenhum momento poderia culpar os alunos da oficina de audiovisual que participaram do projeto e também pegaram na câmera de ter feito um mau trabalho, porque não foi esse o caso. A questão toda está no fato de dar mais mérito a técnica que ao cinema, cinema não é técnica, não existe técnica. Nas palavras de Glauber Rocha “O cinema não é técnica ou tipos de produção: a questão é sempre de quem o faz, de homens e mulheres”. Não nego os problemas técnicos do filme, sei que eles existem, e são muitos, mas é isso que o enriquece, porque o torna mais suburbano, onde o amor, vida, centenas de problemas que nos entristecem e mais centenas que nos fazem felizes.

Antes de concluir devo frisar que esta analise não foi unânime, dentre a exibição na universidade houve pessoas que gostam e na Lona Cultural muitas pessoas o rejeitaram e saíram muito antes do final. Não há como discutir certas opiniões pessoais, é gosto e acabou. A Alma Suburbana existe, e o Alma Suburbana está para quem quiser ver, um filme de idéias e identidades, feito pelo esforço. De suburbano para suburbano.

Ass.
Leonardo Oliveira

3 comentários:

Anônimo disse...

Boa reflexão. Este díalogo entre público e a obra é bastante interessante.

Luiz Claudio.

Leo Oliveira disse...

Pessoal,
Para quem estiver interessado, a citação que fiz do Glauber Rocha está numa entrevista a Gianni Melon publicada com o nome de “La politica del melodrama” na Cineforum N.87, Roma, Set de 1969.

Anônimo disse...

da uma olhada no portugues porque acento é o agudo, circunflexo, til, trema; agora assento é o lugar onde a plateia assistiu ao filme.